Do Deserto à Cidade do Pecado: Os Arquitetos de um Sonho Americano
Las Vegas, a reluzente metrópole no meio do deserto de Nevada, não surgiu por acaso. Ela foi forjada pela ambição desmedida, visão de futuro e, muitas vezes, por conexões sombrias de um grupo extraordinário de homens. Esses magnatas e construtores, parte sonhadores, parte oportunistas, parte aventureiros, transformaram uma parada de estrada empoeirada na capital global do entretenimento e do jogo. Suas histórias são a própria história do jogo moderno, uma mistura de genialidade empresarial, financiamento duvidoso e uma aposta colossal no desejo humano por emoção e escape.
Bugsy Siegel: O Gangster Visionário do Flamingo
A figura mais mitificada da fundação de Las Vegas é, sem dúvida, Benjamin “Bugsy” Siegel. Um gangster de Nova Iorque com ligações ao crime organizado, Siegel não foi o primeiro a ver potencial em Nevada, onde o jogo foi legalizado em 1931. No entanto, foi ele quem concebeu uma visão grandiosa. Em 1946, usando fundos do sindicato do crime, ele inaugurou o Flamingo Hotel & Casino, um estabelecimento de luxo no deserto, a quilômetros do centro da cidade existente. O Flamingo não era apenas um cassino; era um resort completo, com hotel de alta classe, restaurantes finos, espetáculos e piscina. Siegel imaginava um destino para os ricos e famosos de Hollywood. O projeto foi marcado por enormes estouros de orçamento e atrasos, alimentando a desconfiança de seus parceiros. Em 1947, antes que o Flamingo se tornasse lucrativo, Siegel foi assassinado a tiros em Beverly Hills. Ironia da sorte, seu visionário “palácio no deserto” acabou por se tornar um sucesso retumbante, provando que sua ideia estava certa. Siegel se tornou o mártir fundador de Vegas, um homem cujo sonho de glamour foi construído com dinheiro sujo e selado com violência.
Moe Dalitz e os “Cleveland Boys”: A Lavagem de Dinheiro e a Construção do Strip
Enquanto Siegel era o rosto público, a construção física da Las Vegas Strip nas décadas de 1950 e 1960 foi em grande parte obra de um grupo conhecido como os “Cleveland Boys”, liderado por Moe Dalitz. Ex-contrabandista da era da Lei Seca, Dalitz era um empresário astuto que viu em Vegas a oportunidade perfeita para legalizar (lavar) fortunas acumuladas em atividades ilegais. Ele e seus associados foram fundamentais no financiamento e construção de cassinos icônicos como o Desert Inn, o Stardust e o Riviera. Dalitz operava com uma fachada de respeitabilidade, tornando-se um filantropo local. Seus métodos eram menos brutais que os de Siegel, focados em eficiência e integração com a comunidade empresarial e política de Nevada. Ele representava a segunda geração de construtores: menos sonhadora, mais pragmática, focada em transformar o negócio do jogo em uma indústria estável e lucrativa, mesmo que suas raízes permanecessem no submundo.
Howard Hughes: O Bilionário Excêntrico que “Limparam” Vegas
Em 1966, um evento inesperado mudou o curso de Las Vegas: o bilionário excêntrico e recluso Howard Hughes se mudou para o penthouse do Desert Inn. Quando o dono, Moe Dalitz, pediu que ele se retirasse para liberar os quartos para jogadores de alta rolagem, Hughes, em uma jogada típica, simplesmente comprou o hotel inteiro. Nos anos seguintes, ele embarcou em uma onda de compras sem precedentes, adquirindo o Sands, o Castaways, o Frontier e o Silver Slipper, entre outros. Hughes, um homem obcecado por controle e limpeza, detestava a influência do crime organizado. Sua aquisição em massa, financiada com seu patrimônio legítimo de bilhões, teve um efeito colateral histórico: começou a expulsar o capital de origem criminosa de Vegas, substituindo-o por dinheiro corporativo “limpo”. Ele não tinha interesse no dia-a-dia dos cassinos; para ele, eram ativos imobiliários e tecnológicos. A era Hughes marcou o início da transição de Las Vegas de um feudo do crime para um destino de negócios legítimo, pavimentando o caminho para as corporações públicas que dominariam no futuro.
Steve Wynn: O Showman que Reinventou o Resort de Luxo
Se os primeiros construtores criaram Vegas, e Hughes a corporativizou, foi Steve Wynn quem a reinventou para a era moderna. Na década de 1980, com a abertura do Mirage em 1989, Wynn mudou completamente o paradigma. O Mirage não era apenas um cassino com quartos; era um espetáculo temático completo, com vulcão em erupção, aquário gigante e shows de primeira linha. Ele entendeu que o futuro estava no “resort integrado”, onde o cassino era apenas uma parte de uma experiência de entretenimento total, atraindo famílias e convenções, além dos jogadores. Wynn repetiu o feito com o luxuosíssimo Bellagio (com sua famosa fonte coreografada) e o Wynn/Encore. Ele era um showman nato, com um olho impecável para detalhes e luxo. Sua abordagem transformou Las Vegas de uma cidade focada apenas no jogo em um destino de férias global, elevando os padrões de hospitalidade e espetáculo a níveis inimagináveis. Wynn personificou a terceira grande fase de Vegas: a da mega-corporação de entretenimento listada em bolsa, onde a arte do espetáculo e o gerenciamento financeiro de precisão andavam de mãos dadas.
Kirk Kerkorian: O Quieto Construtor de Impérios
Por trás de muitos dos grandes nomes de Vegas, havia uma figura mais discreta, mas não menos poderosa: Kirk Kerkorian. Um ex-piloto e investidor astuto, Kerkorian era o “construtor de impérios”. Ele não era um operador de cassinos no dia-a-dia; era um financista e desenvolvedor visionário. Ele comprou terrenos enormes no Strip e construiu alguns dos maiores hotéis do mundo para depois alugá-los ou vendê-los a operadores como Wynn. Foi Kerkorian quem construiu o International Hotel (posteriormente Las Vegas Hilton) e, mais notavelmente, o MGM Grand original e seu sucessor colossal. Sua estratégia era simples: comprar barato, construir em grande escala e atrair os melhores operadores. Sua influência foi fundamental para a escala monumental que Vegas assumiu. Enquanto Wynn era o rosto do luxo, Kerkorian era a força por trás do crescimento físico e financeiro, o homem que entendia que o verdadeiro jogo em Vegas não era na mesa de blackjack, mas no mercado de terras e no mercado de capitais.
Conclusão: A Aposta Definitiva
A saga dos magnatas de Las Vegas é, em sua essência, a história de uma série de apostas audaciosas. Bugsy Siegel apostou que um resort de luxo no deserto atrairia os ricos. Moe Dalitz apostou que o dinheiro ilegal poderia se tornar legítimo. Howard Hughes apostou que um bilionário excêntrico poderia limpar a cidade. Steve Wynn apostou que as famílias e os convencionais viriam para ver vulcões e fontes. Kirk Kerkorian apostou na escala acima de tudo. Alguns ganharam fortunas inimagináveis; outros perderam tudo, inclusive a vida. Juntos, eles construíram não apenas uma cidade, mas um símbolo global do capitalismo, do risco e do desejo de escapar da rotina. Suas vidas, entrelaçadas com o jogo, demonstram que a maior fortuna muitas vezes não é ganha na mesa de roleta, mas na coragem de construir o próprio tabuleiro.